João Albuquerque, presidente da ACIB, lança um alerta claro: Barcelos tem potencial para muito mais. O centro histórico precisa de renovação, o comércio de apoios e a indústria de estabilidade. “Estamos tremidos, mas ainda vamos a tempo.” Entre desafios no têxtil, falta de estacionamento e necessidade de modernizar o centro, João Albuquerque garante que Barcelos tem tudo para crescer. Mas avisa: “É preciso cooperação real e projetos concretos. Não podemos perder mais tempo.”
Diário do Minho (DM) - Barcelos está a perder vitalidade no centro histórico?
João Albuquerque (JA) - O centro histórico continua a ser o coração da cidade, mas está desgastado. Há mais de 25 anos que não recebe uma intervenção profunda e isso sente-se no piso, na iluminação, no mobiliário urbano e até na própria dinâmica comercial. Os comerciantes fazem o que podem, a ACIB apoia, mas sem investimento municipal consistente o centro perde força. E quando o centro perde força, o turismo também esmorece. O comércio e o turismo alimentam-se mutuamente, e esse binómio tem de ser preservado.
DM - Que medidas defende para revitalizar o pequeno comércio?
JA - O Estado tem ignorado o comércio de proximidade. Há programas nacionais com verbas paradas há anos, como o Comércio Investe, que podiam financiar a modernização das lojas e criar um efeito dominó positivo na economia local. Externamente, é urgente renovar todo o espaço público: pavimentos, iluminação, zonas de descanso, sinalética e campanhas de animação. A ACIB apresentou um projeto completo para atualizar a imagem do centro, criar uma identidade moderna e atrativa e dar um “refreshing” enquanto não avançam obras de fundo.
DM - A inflação e os custos da energia podem levar a encerramentos em 2026?
JA - Podem, se nada for feito. O setor não está em colapso, mas está instável. Barcelos depende diretamente do emprego no têxtil, que alimenta o comércio e o consumo local. Se o têxtil vacilar, tudo vacila. E já está a dar sinais. Não estamos perante uma crise instalada, mas estamos num ponto de alerta. O pior que podíamos fazer era fingir normalidade.
DM - O município está a apoiar o tecido empresarial como devia?
JA - A relação é boa e há diálogo. Mas falta músculo financeiro. As empresas de Barcelos contribuem com cerca de 12 milhões de euros anuais para o orçamento municipal, e o retorno é reduzido. Qualquer investimento empresarial é multiplicador: cria emprego, gera receita e consolida o futuro económico do concelho. A ACIB tem apresentado projetos concretos, tecnicamente sólidos e com impacto mensurável. Falta a decisão política de avançar de forma mais robusta.
DM - A falta de estacionamento no centro de Barcelos afasta clientes?
JA - Sem dúvida. É um problema diário para residentes, trabalhadores e visitantes. A solução passa por um ‘mix’ equilibrado: parcómetros com valores justos, organização do estacionamento no Campo da Feira e construção de novos parques subterrâneos. Há privados com projetos prontos a avançar e o município já admitiu interesse em desenvolver um parque público. A ACIB está preparada para integrar um consórcio e concorrer quando o concurso abrir.
DM - E a mobilidade?
JA - A cidade fecha vezes demais, e muitas delas sem necessidade. Os eventos desportivos e lúdicos são importantes, mas não podem bloquear o comércio nos dias de maior faturação. Há zonas alternativas para acolher provas e atividades longas, como a envolvente do estádio municipal. A situação melhorou, mas ainda precisa de coordenação e bom senso. Os comerciantes não podem continuar a ser prejudicados.
DM - Barcelos continua a ser uma cidade de passagem?
JA - Ainda é. E não devia ser. A localização é extraordinária, as vias principais passam por aqui e até temos uma linha ferroviária subaproveitada e com a estação frequentemente encerrada. Barcelos deve ser ponto de chegada, não apenas ponto de travessia. Falta visão estratégica, projetos estruturantes e uma ação concertada entre município, ACIB e Governo. O potencial é imenso. Barcelos é um diamante em bruto à espera de ser lapidado.
DM - O turismo tem ajudado?
JA - Muito. A oferta hoteleira tem crescido e os empresários que apostaram em alojamento local e pequenos hotéis estão satisfeitos. O Caminho de Santiago é um ativo fundamental, mas o Caminho da Costa tem atraído mais peregrinos e isso obriga Barcelos a reforçar a sua rota. O turismo é uma âncora essencial para o comércio e para a restauração e o concelho tem tudo para receber muito mais gente.
DM - Admitiu que o setor têxtil está tremido. Está a reinventar-se?
JA - As empresas têm inovado, modernizado equipamentos e investido em talento. Mas o esforço individual já não chega. Falta estratégia coletiva, mais presença internacional, mais independência das grandes marcas estrangeiras que oscilam entre fornecedores e países. Uma retração no têxtil seria catastrófica: 70% da indústria de Barcelos depende diretamente dele. O memorando assinado para a Cidade do Têxtil é um passo decisivo, mas tem de ser executado com urgência.
DM - Há falta de mão de obra qualificada?
JA - A questão é estrutural. A maioria das empresas são micro ou pequenas e não têm dimensão para contratar quadros superiores. Para reter jovens qualificados, as empresas precisam de crescer em valor, escala e organização. A imigração é indispensável para garantir mão de obra em setores onde já não há oferta nacional. E é essencial reforçar a articulação entre ACIB, Instituto de Emprego e Câmara para integrar rapidamente desempregados em ofertas reais.
DM - E a formação profissional, a ACIB tem algum papel?
JA - A ACIB sempre esteve na linha da frente. Trabalhamos com jovens, adultos e desempregados. É absurdo manter jovens em cursos que não lhes garantem futuro. A nossa escola profissional e os sistemas de aprendizagem têm taxas de empregabilidade elevadíssimas. E estamos a reforçar a formação digital dentro das empresas, preparando trabalhadores e empresários para a modernização obrigatória que aí vem.
DM - A indústria em Barcelos está preparada para a transição verde e digital?
JA - Vai custar tempo e dinheiro, mas não há alternativa. O mercado europeu exige processos verdes e empresas digitalizadas. Quem não acompanhar fica fora. A ACIB está a lançar um projeto inovador ligado à reciclagem e recuperação de produto, que será importante para apoiar a indústria local. O futuro é verde e digital, e Barcelos tem de estar nesse caminho.
DM - Estão a surgir novas áreas de investimento?
JA - Sim, metalomecânica, plásticos, biotecnologia, setor espacial, defesa. São ótimos sinais. Mas não substituem ainda o peso do têxtil. Precisamos de continuar a apoiar o empreendedorismo e garantir condições para que estas áreas cresçam e criem emprego qualificado.
DM - Como descreve a relação entre a ACIB com a Câmara Municipal?
JA - Positiva, aberta e construtiva. Mas com espaço para crescer. Câmara e ACIB têm papéis diferentes e complementares. Quando cada um cumpre o seu papel e trabalha em conjunto, o concelho avança.
DM - Acha que o poder político ouve os empresários?
JA - Sim, há diálogo e vontade. Mas ouvir não chega, é preciso concretizar. Os empresários precisam de respostas rápidas e projetos efetivos.
DM - Que Barcelos gostaria de ver daqui a 10 anos?
JA - Um Barcelos onde os meus filhos, e os filhos de todos, possam trabalhar sem ter de emigrar. Com empresas fortes, inovadoras e capazes de valorizar talento. Um concelho mais estável, mais moderno e com oportunidades reais.
DM - Qual o principal obstáculo ao crescimento económico?
JA - A dificuldade de assumir plenamente a identidade do concelho: rural e industrial. Precisamos de um centro urbano mais forte e vibrante, sem perder a ruralidade que nos dá riqueza agrícola e identidade. Só falta dar o primeiro passo e avançar sem receios.
DM - Qual é a prioridade para 2026?
JA - Estabilidade. Só com estabilidade se protegem empresas, se planeiam projetos, se atrai investimento e se dá confiança aos empresários. Depois virá o crescimento, mas primeiro temos de consolidar o que temos.